Há 195 anos, o Rei do Brasil e Portugal Dom João VI assinava, do Rio de Janeiro, a Carta Régia elevando Sergipe à categoria de Capitania Independente. A independência do território de Sergipe da Bahia foi marcada por intensas lutas políticas. Em artigo publicado em julho de 2013 na Revista Cumbuca, a historiadora e professora da Universidade Federal de Sergipe, Terezinha Alves de Oliva, relata que o tema da Emancipação de Sergipe ainda é um desafio para os estudiosos. Ela conta que, em seus estudos, Felisbelo Freire descreve que alçar Sergipe a uma capitania independente foi a maneira que o Rei D. João VI encontrou para compensar a participação dos sergipanos na vitória da Corte Portuguesa sobre a Revolução Pernambucana de 1817.
Essa, entretanto, não é a única versão. A professora Maria Thetis Nunes dedicou-se ao estudo deste tema e, atualmente, a professora Edna Maria Matos Antônio, lançou o livro “A independência do solo que habitamos – poder, autonomia e cultura política na construção do Império Brasileiro – Sergipe (1750- 1831). Ela estuda a independência de Sergipe no contexto da política do Reino de Portugal e da presença da Corte Portuguesa no Brasil. É o trabalho mais completo que se tem hoje sobre o assunto enfocando a política de D. João VI quando da sua permanência no Brasil e, depois, o entrelaçamento da Independência de Sergipe com o processo da Independência do Brasil.
O território sergipano foi conquistado em 1590 por Cristóvão de Barros e, desde então, Sergipe ficou sob a tutela da Bahia. Cristóvão de Barros, como conta Terezinha Oliva em seu artigo, venceu os índios e distribuiu as terras em sesmarias.
“Durante mais de dois séculos, Sergipe foi Capitania Subalterna, dedicada a abastecer a capital baiana através da sua produção agropecuária, recebendo dela as autoridades, as famílias dominantes, os encargos, os produtos do seu comércio”, conta a historiadora em seu artigo.
Ainda de acordo com Terezinha Oliva, somente no século XVIII a economia de Sergipe conquistou uma nova estatura com o crescimento da atividade açucareira, tornando-se visível a movimentação das exportações sergipanas pelos portos baianos.
Nas primeiras décadas do século XIX a capitania contava com mais de duas centenas de engenhos a estabelecer relações com o comércio da Bahia, com os capitalistas que financiavam a produção e controlavam o comércio de açúcar que abasteciam o comércio de escravos e de todos os bens demandados pela sociedade açucareira.
Retorno do Rei
Com o retorno do Rei a Portugal, as medidas tomadas por Dom João para emancipar Sergipe foram contestadas. Apesar da nomeação do Brigadeiro Carlos César Burlamaqui como governador de Sergipe ter ocorrido em 25 de julho de 1820, ele somente tomou posse em 20 de fevereiro de 1821. Ocorrida em São Cristóvão, a posse se deu em clima conturbado pela chegada de cartas da Bahia que determinavam que ela não se realizasse.
Apesar dos protestos baianos, a posse ocorreu em fidelidade ao Rei Dom João VI. No entanto, no dia 18 de março do mesmo ano, o governador foi deposto do cargo por uma força armada a mando da Bahia, reforçada pelo apoio da Legião de Santa Luzia, comandada pelo senhor de engenho Guilherme José Nabuco de Araújo. Carlos Burlamaqui foi conduzido preso para Salvador.
Com este episódio, frustrou-se temporariamente a emancipação política de Sergipe. Se por um lado os senhores de engenho não queriam a independência, por outro, líderes do agreste e do sertão, criadores de gado como Joaquim Martins Fontes e José Leite Sampaio, tomaram posição em defesa da Emancipação Política de Sergipe e, a partir de 1822, pela Independência do Brasil. “Os dois processos se confundem e confluem”, conta Terezinha Oliva.
A adesão à Independência do Brasil significou a aceitação da Emancipação de Sergipe, uma vez que o Imperador Pedro I confirmou a Carta Régia de D. João VI. “Sergipe fica politicamente separado da Bahia e torna-se uma província do Império”, diz a historiadora.
Duas datas
Pelo fato da Emancipação Política de Sergipe em 8 de julho de 1820 ter sido bastante conturbada e contestada pelos líderes baianos e pelos senhores de engenho, a memória popular não registrou a data para festejar. Segundo Terezinha Oliva, a primeira comemoração que se tem notícia se deu no dia 24 de outubro de 1836. “Nesta data, a festa cívico-religiosa foi marcada pelo canto do Hino de Sergipe, com letra de Manoel Joaquim de Oliveira Campos e música de Frei José de Santa Cecília. Em 1839 o dia 24 de outubro foi decretado como feriado da Emancipação”.
As duas datas permaneceram como feriado até o final da década de 1990: 8 de julho, data da elevação de Sergipe a Capitania Independente; 24 de outubro, data da recuperação da Independência de Sergipe consagrada pelo povo.
No final da década de 1990, a Assembleia Legislativa de Sergipe cancelou o feriado de 24 de outubro, pois a festa popular havia deixado de acontecer. Porém, este dia passou a ser considerado o Dia da Sergipanidade, preservando uma antiga memória ligada à Independência de Sergipe.
Independência política e econômica
A Emancipação Política de Sergipe também influenciou a economia local. A partir da independência, de acordo com o economista Ricardo Lacerda, a elite econômica e política local, ainda que relativamente frágil e incipiente, começou a diminuir sua dependência em relação à praça comercial de Salvador.
“A emancipação de Sergipe se deu em um momento muito atribulado da política no reino por conta da revolução liberal do Porto e pelas pressões para o retorno a família real para Portugal. A emancipação de Sergipe responde parcialmente às disputas entre dom João VI e os revolucionários do Porto. As elites locais que propugnavam pela emancipação política, fundamental para o desenvolvimento econômico da província que era subjugada aos interesses da Bahia, procuravam se posicionar entre os dois polos em conflito. Sergipe já contava com certa densidade econômica decorrente da expansão da atividade açucareira no vale do Cotinguiba. Havia um polo com certa densidade econômica e populacional que respaldava a emancipação política”, relatou.
Segundo Ricardo Lacerda, a base da economia de Sergipe no momento de sua emancipação política, destacava-se pela atividade açucareira com um grande número de engenhos em funcionamento. “As principais lideranças políticas e econômicas eram vinculadas à atividade açucareira. Mas a pecuária ocupava uma ampla extensão do território sergipano, nas áreas mais interioranas. Em torno da atividade principal, formou-se um complexo econômico distintivo, com o surgimento de casas de exportação e importação, fundamentais para o financiamento da atividade açucareira, e os núcleos urbanos se adensaram e se multiplicaram na zona canavieira. A atividade algodoeira vai se consolidar somente na segunda metade do século XIX, impulsionada pela revolução industrial inglesa e pela oportunidade surgida com o vazio de suprimento de algodão causado pela guerra civil norte-americana”, relata Ricardo Lacerda.
Ele conta que no período da emancipação, a atividade industrial era muito restrita, quase inexistente, e até dispositivos legais inibiam ou proíbiam a atividade industrial no país. A principal atividade industrial era a fabricação de açúcar, além de algumas atividades subsidiarias de pequena monta.
“O segundo eixo da industrialização de Sergipe vai ser a expansão da indústria têxtil nas últimas décadas do século XIX. Essas duas atividades vão dominar a economia sergipana por um longo período. Somente na segunda metade do século XX, Sergipe vai conhecer uma transformação industrial de maior vulto com a implantação da fábrica de cimento, a exploração de petróleo pela Petrobrás e mais adiante a produção de fertilizantes”, acentuou.
“A partir da segunda metade do século XX Sergipe vai passar por um importante processo de diversificação econômica, com o surgimento de um grande número de novas atividades industriais e de Serviços, em que progressivamente a vida urbana vai se tornando protagonista e a vida rural vai ficando para trás”, concluiu.
“Nosso processo de independência comprova o caráter empreendedor e desenvolvimentista do povo sergipano. Lutamos para nos tornar independente de umas capitanias mais promissoras da época, a Bahia, e hoje continuamos ousados. Somos pouco mais de dois milhões de sergipanos no menor estado do país e temos o melhor PIB do Nordeste, com índices sociais e econômicos crescentes: a melhor taxa de geração de emprego da região, somos o estado nordestino que mais atrai empresas, nos consolidamos no cenário econômico com uma matriz energética diversificada. A ousadia continua. O 8 de julho é um dia de autoafirmação, de festa, de identificação com nossa história. Parabéns a todos os sergipanos”, declarou o governador Jackson Barreto.
Carta Régia
“Conde de Palma do Meu Conselho, Governador e Capitão Geral da Capitania da Bahia, Amigo: Eu El-Rei vos envio muito saudar aquelle que amo. Convido muito ao bom regimen deste Reino do Brazil, e a prosperidade a que Me proponho Elevo-lo, que a Capitania de Sergipe d’El-Rei tenha hum Governo, Declarando-a independente totalmente para que os governadores della a governem na forma praticada nas mais Capitanias Independentes, comunicando-se directamente com as secretarias de Estado competentes e podendo conceder sesmarias na forma das Minhas Reaes Ordens. O que Me pareceu participar-vos para que assim o tenhais entendido. Escrevo do Palácio do Rio de Janeiro em oito de Julho de mil e oitocentos e vinte. Rey”.
Por Ofélia Onias/ASN
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